Busca sem resultado
jusbrasil.com.br
24 de Abril de 2024

Como surgiu o exame de Ordem

Antes facultativo, certame passou a ser obrigatório em 1994, pelo Estatuto da OAB. (Fonte: site Migalhas)

Publicado por Ludiney Pedroso
há 6 anos

Em março de 1968, o juiz de Direito Ennio Bastos de Barros, da 10ª vara Cível de SP, devolvia à seção paulista da Ordem dos Advogados do Brasil a petição subscrita por um profissional despreparado para o ofício da advocacia.

O advogado, que "se revelou de um primarismo palmar", entrava naquele momento para o rol de operadores do Direito de "ignóbil nível de conhecimento jurídico", com erros crassos de português e sem "o mínimo de formação cultural".

Com grifos que apontavam para "denumciados", "vestijos", "emediatos" e "posivel", o magistrado encaminhou a mensagem abaixo à direção da seccional:

"Como essa entidade, nos termos do art. da Lei 4.215, de 27 de abril de 1963, é 'órgão de seleção disciplinar e de defesa da classe dos advogados', acredito seja de seu interesse apurar as razões da inépcia desse integrante de seus quadros."

Na época, o antigo Estatuto da Ordem (lei 4.215/63) dizia que era necessário aos que quisessem se inscrever no órgão de classe, além do diploma de bacharel, certificado de comprovação do exercício de estágio ou de habilitação no exame de Ordem. Ou seja, o famigerado exame era facultativo.

Para entender esse complexo quadro e avaliar a importância da prova é preciso remontar ao século XIX e compreender, de migalha em migalha, porque o exame é um "instrumento de defesa do interesse público". Com a palavra, dr. Cid Vieira de Souza, ex-bâtonnier da advocacia paulista.

"O Exame de Ordem não constitui um segundo vestibular, nem se compara, pela simplicidade das questões que versa, aos concursos de ingresso nas carreiras de especialização profissional, como vem sendo afirmado pelos que combatem a medida moralizadora. As matérias submetidas aos candidatos são simples (...) Trata-se de problemas rotineiros e singelos, perfeitamente ao alcance de um advogado principiante, desde que seu curso de bacharelado tenha sido regular e correto (...) É um sistema destinado a verificar se o candidato reúne as condições mínimas para o exercício de tão nobre profissão, sem o qual pessoas despreparadas intelectualmente estarão patrocinando mal questões relacionadas com o patrimônio, a honra, a liberdade e a própria vida dos clientes que as procurem."

(Exame de Ordem como instrumento de defesa do interesse público - OAB/SP, 1971)

Proliferação de cursos jurídicos

Os cursos jurídicos surgiram no Brasil Império, em 1827. Decreto de Dom Pedro I determinava que "crear-se-ão dous Cursos de sciencias jurídicas e sociais, um na cidade de S. Paulo, e outro na de Olinda", com duração de cinco anos – crucial para a consolidação da vida política e intelectual da nação.

Em São Paulo, já na década de 1970, o então presidente da OAB/SP, Cid Vieira de Souza demonstrava preocupação com os destinos da advocacia, diante da proliferação das Faculdades de Direito (em 1971, eram 34 Academias de Direito no Estado de SP). "Com a média de 500 vagas por Faculdade, haverá, anualmente, 17.000 novos bacharéis em Direito, muitos dos quais de equívoca formação cultural."

(O Estado de S. Paulo, 10 de dezembro de 1969)

(O Estado de S. Paulo, 11 de agosto de 1968)

A adequada formação e qualificação dos profissionais, entretanto, segundo Vieira de Souza, não estava acompanhando o ritmo de crescimento das Faculdades, de modo que frequentemente petições lastimáveis de advogados eram enviadas à Ordem.

"Petições subscritas por advogados regularmente inscritos na OAB constituem motivo de chacota por parte de juízes, promotores e serventuários da Justiça, de tal forma ridícula e grotesca são elas redigidas", informava o então presidente da OAB/SP.

Neste cenário, a seleção de profissionais por meio do estágio ou exame foi apontada como uma saída para a preservação das tradições éticas e culturais da advocacia.

(Acórdão pela reprovação de bacharel no exame de Ordem)

Lei 4.215/63

Em 1963, surgiu a lei 4.215, que representou o "coroamento da luta da classe em favor de uma regulamentação do ingresso nos quadros da Ordem, compatível com as exigências do atual quadro do ensino jurídico".

Art. 47. A Ordem dos Advogados do Brasil Compreende os seguintes quadros:(...)III - certificado de comprovação do exercício e resultado do estágio, ou de habilitação no Exame de Ordem (arts. 18, inciso VIII, letras a e "'b" e 53);

A lógica, então, era simples: não bastava, para o ingresso nos quadros da Ordem, a mera apresentação do diploma; as faculdades deveriam reaparelhar e melhorar seus currículos, para compatibilizá-los com a nova realidade. Caso contrário, naufragariam na falta de alunos, os quais optariam por dar preferência àquelas com altos índices de aprovação.

"Ao contrário do que possa parecer, a exigência do Estágio ou Exame de Ordem não constitui qualquer desprestígio para as Faculdades sérias, pois é necessário que se acabe de uma vez por todas com a falsa ideia de que as Faculdades de Direito formam advogados."

Para não acrescentar mais de dois anos ao currículo do candidato a advogado, adotou-se essa fórmula transacional ao sistema dominante nos Estados Unidos e na Europa, ainda mais rigoroso que o estabelecido no anteprojeto que deu origem à norma.

Primeiras aplicações

O Estado de São Paulo foi o primeiro a aplicar a prova, em 1971. O certame foi realizado em duas fases e reuniu poucos candidatos. Passaram a ser realizadas quatro edições por ano (março, julho, setembro e dezembro).

Os bacharéis em Direito formados até 1973 ficaram isentos de prestar o Exame, mas, em 1974, a prova passou a ser obrigatória em todo o Estado. Durante este ano, se inscreveram 211 bacharéis, sendo aprovados 154.

Depoimentos de advogados que fizeram a prova em 1974 (Fonte OAB/SP):

Fábio Ferreira de Oliveira – Conselheiro da OAB/SP e Ex-presidente da AASP

"Não me surpreende o alto grau de reprovação do Exame de Ordem atualmente. Considero que a prova era mais fácil do que hoje, porque a média entre as provas escrita e oral era de 5 pontos. Na escrita, fiz uma peça sobre revisional de alimentos, que para mim foi fácil porque eu já estagiava e tirei nota 9. Só precisava tirar 1 ponto na prova oral, mas também fui bem e fiquei com média final alta."

Cícero Harada – Procurador do Estado aposentado e Ex-conselheiro da OAB/SP

"Não tive dificuldades no Exame de Ordem porque meu pai, que era advogado, me dizia para eu ler. Então eu lia muito, importava livros e lia. Tanto que quando fui prestar concurso para procurador, passei sem estudar. Hoje, os estudantes reclamam, mas percebemos (já fui professor) que, a cada ano, a base educacional dos alunos é pior. Quando chegam à faculdade, eles estão sem base e não conseguem acompanhar o programa da faculdade. Eles não sabem interpretar uma lei, por exemplo, porque o Direito parece fácil, mas não é. É preciso saber interpretar uma lei à luz da Constituição, das leis complementares e da situação fática."

José Luiz da Silva Leme Taliberti – Advogado

"Quando prestei o Exame de Ordem, a prova era mais voltada para o aspecto prático da advocacia. Hoje, deixa a desejar nesse aspecto, mas entra em questões mais profundas, testa o conhecimento e é preciso mesmo ser cada vez mais forte porque os estudantes estão cada vez mais despreparados. Não tive problemas para ser aprovado porque trabalhava desde o primeiro ano da faculdade. E depois, por muitos anos, apliquei a prova oral no Exame, mas acho que a prova é essencial."

Novas disposições

Em 1972, a lei foi modificada, dispensando do exame de Ordem e de comprovação de estágio os bacharéis que houvessem realizado "junto às respectivas faculdades, estágio de prática forense e organização judiciária".

Na década de 1980, a crise no ensino jurídico foi intensificada pelo significativo aumento na oferta de faculdades e de profissionais pouco qualificados para o exercício da advocacia. Em 1994, então, entra em vigor o Estatuto da Advocacia e a OAB (lei 8.906), que tornou definitivamente obrigatório o exame de Ordem.

Art. 8º Para inscrição como advogado é necessário:(...)IV - aprovação em Exame de Ordem;

A partir daí, para ingressar nos quadros da OAB seria necessário ao bacharel em Direito, entre outros quesitos, a aprovação na prova. Cada Estado, no caso, tinha autonomia para aplicar os exames.

Unificação das provas

Em 2007, um novo movimento começava a ser visto nas OABs com relação ao exame de Ordem. Neste ano, em abril, 17 seccionais realizaram pela primeira vez a prova com conteúdo unificado. Quatro meses depois, em agosto, este número subiu para vinte.

Posteriormente, as demais seccionais aderiram à forma de aplicar o certame, que alcançou seu cume no terceiro exame de 2009, quando todas as seccionais da OAB realizaram a prova unificada.

O Conselho Federal da OAB aprovou, em 20 de outubro de 2009, o provimento 136/09, que normatiza o exame de Ordem, unificando conteúdo e aplicação da prova em todo o país.

Imprescindibilidade

Em parecer, publicado pela Revista dos Tribunais, o advogado J. Nascimento Franco, então membro do conselho seccional de SP da OAB, tratou da questão ao analisar caso envolvendo inscrição de um candidato – o qual repetiu cinco vezes o primeiro ano – de "desconhecimento quase completo do idioma pátrio, requisito mínimo para o exercício da advocacia".

Incitado pelo caso, Franco consignou: "Prestando um serviço de extraordinária expressão social, o advogado não exerce uma profissão aberta a todo e qualquer indivíduo que possa, com o pedido de inscrição em seus quadros, exibir um atestado de bons antecedes criminais e um diploma passado por qualquer escola formalmente habilitada perante o Ministério da Educação."

"Para evitar (...) desmoralização total da advocacia, devem os Conselhos Seccionais agir decididamente, com base no art. 28, n. X, da Lei 4.215, de 1963, e indeferir a inscrição aos candidatos que, por palavras, atos ou escritos, se mostrem intelectualmente despreparados para o exercício da profissão (...). É o mínimo que a Ordem poderá e deverá fazer na realização dos seus fins, no aperfeiçoamento da Justiça, até que o legislador se convença da necessidade de se instituir o 'exame de ordem' já consagrado pelos povos mais cultos do mundo."

  • Sobre o autorPós-Graduado em Direito de Família e Sucessões pela EBRADI/ESA;
  • Publicações15
  • Seguidores20
Detalhes da publicação
  • Tipo do documentoNotícia
  • Visualizações5875
De onde vêm as informações do Jusbrasil?
Este conteúdo foi produzido e/ou disponibilizado por pessoas da Comunidade, que são responsáveis pelas respectivas opiniões. O Jusbrasil realiza a moderação do conteúdo de nossa Comunidade. Mesmo assim, caso entenda que o conteúdo deste artigo viole as Regras de Publicação, clique na opção "reportar" que o nosso time irá avaliar o relato e tomar as medidas cabíveis, se necessário. Conheça nossos Termos de uso e Regras de Publicação.
Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/como-surgiu-o-exame-de-ordem/571856761

Informações relacionadas

Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Jurisprudênciaano passado

Tribunal Regional Federal da 1ª Região TRF-1 - AGRAVO DE INSTRUMENTO: AI XXXXX-68.2023.4.01.0000

Professor Paulo Neves de Carvalho é homenageado no TRE

Suellen Rodrigues Viana, Advogado
Modeloshá 6 anos

[Modelo] Ação de Obrigação de Fazer c/c Tutela de Urgência Antecipada

Tribunal de Justiça de São Paulo
Notíciashá 8 anos

Em Campinas, ‘Agenda 150 Anos’ homenageia juiz Dionísio Barbosa

TJ esclarece normas de padronização em petições iniciais

43 Comentários

Faça um comentário construtivo para esse documento.

Não use muitas letras maiúsculas, isso denota "GRITAR" ;)

Faculdade de Direito:

1º - período: Seremos Juízes;
2º - período: Seremos Promotores;
3º - período: Seremos Delegados de polícia;
4º - período: Seremos Defensores Públicos;
5º - período: Seremos Policiais;
6º - período: Seremos Serventuários;
7º - período: Seremos Oficiais de Justiça;
8º - período: Seremos Advogados;
9º - período: Seremos Estagiários;
10º - período: quero nascer novamente; continuar lendo

kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk continuar lendo

A de se saber:
Por competência, determinados assuntos, são para determinadas pessoas...
A ordem nasceu para eliminar argumentos dos tolos que pelo que querem, acham que podem! Direito é mais que uma doutrina; é uma ação de reflexão de questões gerais e fundamentais, que se restringe a predestinados; não aventureiros!
Bela matéria! Abraços... continuar lendo

Ah colega, ses você trabalhasse no Judiciário veria a quantidade de aventureiros que, não se como, conseguem aprovação no exame e exercem a profissão sem o menor preparo. É cada petição esdrúxula que chega a dar dó do cliente.
Definitivamente, a profissão não se restringe a predestinados. Ela é aberta a todos que estudam o suficiente para passar no exame. Infelizmente. continuar lendo

Não acho que o exame da OAB seja algo justo depois dos examinandos terem roubados capital, sonhos e anos de vida por acreditarem que estariam sendo preparados e formados por uma faculdade capacitada para tal. Para mim, esta entidade deveria examinar as faculdades de direito e seus respectivos corpos docentes e impedir que tais instituições meramente mercantilistas continuassem a transformar sonhos em pesadelos. Até acho que, exames nacionais deveriam ser realizados a cada ano para que não se alimentasse as ilusôes de quem não escolheu o curso apropriado. Examinem pois e muito antes, as faculdades/espeluncas e interditem-nas para que não causem danos irreparáveis às suas próximas vítimas. continuar lendo

Porque não fazer também para médicos, pois a cada dia que passa temos profissionais formando sem nenhuma noção do que faz, mesmo tendo feito residência. Acredito que seria muito bom esta mesma prova para os médicos. E pior eles lidam com a vida. continuar lendo

Obrigado pelo seu comentário Naira.

Sou a favor de um certame para todos os cursos, assim como já tem para o curso de ciências contábeis. continuar lendo

A qualidade do ensino assim o exige. Hoje se termina o 1º Grau sem saber interpretar um texto.
Tempos bons em que eu terminei minha faculdade e não precisei provar nada a ninguém. Comecei a exercer a profissão. continuar lendo

Creio que o exame da OAB é muito importante. Imagina como seria se o acesso fosse livre! continuar lendo

Concordo com você Dr. Luciano.
Atualmente temos faculdades com baixíssimo nível de educação na material do direito, prejudicando alunos, bem como colocando profissionais atuantes na área jurídica com baixo conhecimento.

Acredito sim que no início advogados sofrem para atuar na advocacia, tendo em vista que a faculdades e universidades são engessadas em seus ensinamentos, pois ela ensina a teoria e a vivência prática é totalmente diferente. Por isso lembro aos caros amigos leitores que o estágio em escritório que proporciona atuar e não apenas pagar guias e enfrentar filas de bancos é de grande valia.

A OAB deve restringir a criação de novas faculdades e, se de alguma forma a avaliação do MEC funciona, aquelas faculdades presenciais e a distância que possuem nota 1 e 2 deveriam ser extintas. Crer que levar a educação é importante e isso eu não nego, porém educação com qualidade e não fraca e medíocre como estamos vendo freneticamente no Brasil atual. continuar lendo